Esqueça a fama de nojentos. Além de nutritivos, o futuro do combate à fome pode estar na alimentação com esses bichinhos.
Muito presente nas mesas de países africanos e asiáticos, a antropoentomofagia, termo que se refere ao consumo de insetos pelos seres humanos, enfrenta resistência e, porque não dizer, estranhamento no Brasil. Mais que uma culinária fortemente relacionada à tradição e à cultura, há quem diga que os insetos são a proteína do futuro.
Diversos estudos mostram que, além de benefícios nutricionais, o consumo de insetos é uma alternativa sustentável e viável, podendo ser a chave para a erradicação da fome, como mostrou estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), uma das agências da ONU.
Seja pela associação do consumo de insetos a situações de falta de alimento ou última alternativa para sobreviver, seja porque eles simplesmente não se encaixam na categoria alimento, no Brasil, é comum torcer o nariz para a ideia de comer os bichinhos.
Quantas pessoas já não pensaram que nojo, eu não comeria um bicho desses nunca? É cultural, aprendemos desde pequenos que o bicho é sujo e, hoje, associamos insetos a doenças e outras coisas ruins, aponta a zootecnista Alessandra Gimenez.
Apesar da aversão, os insetos oferecem uma série de ganhos nutricionais e apresentam uma extensa variedade de macronutrientes, como explica o nutricionista Thiago Bronze. O principal nutriente que pode ser encontrado nesses animais é a proteína. Porém, ela só atinge altas concentrações quando os insetos são criados especificamente para a alimentação humana.
De acordo com o nutricionista, é possível encontrar ainda fibras, sais minerais, cálcio e fósforo. Caso fosse incorporado às dietas ocidentais, esse tipo de alimento poderia ser facilmente o substituto da nossa tradicional farinha ou de algum alimento que se assemelhe ao leite.
A rejeição em comer insetos se dá por uma questão de costume. Alessandra Gimenez explica que, devido às grandes diferenças geográficas e climáticas no planeta, há uma discrepância em relação ao que se pode e se consegue cultivar e produzir em cada canto do mundo. Isso cria na população um hábito. Alimentos que normalmente não se comem em partes do mundo podem ser de consumo corriqueiro e habitual por outros povos, esclarece.
Insetos, uma alternativa viável
Mas isso não quer dizer que o brasileiro não coma insetos. Eles já estão presentes em alimentos industriais há muito tempo, sem que a maioria dos consumidores saiba disso. Um exemplo é o corante de carmim de cochonilha, feito a partir do inseto mexicano Dactylopius coccus, muito presente em sorvetes, pudins, bebidas, bolachas, bolos, geleias, gomas de mascar, sucos, licores e outras guloseimas industrializadas de cor rosa ou vermelha.
Já no Nordeste brasileiro, a tradicional farofa de içá, formiga popularmente conhecida como tanajura é uma iguaria bastante consumida por moradores e turistas.
Incorporar os insetos na dieta não é complicado. Diversas espécies, como larvas da farinha, grilos, gafanhotos e formigas, podem ser consumidas e encontradas no Brasil em feiras orientais. O médico veterinário Regis Kamimura, 57 anos, come insetos eventualmente. Ele afirma que mais do que excelente fonte calórica e proteica, os bichinhos compõem, sim, refeições deliciosas.
Um dos pratos preferidos de Regis é o omelete com larvas de Tenebrio molitor, larva do inseto de gênero tenebrio, um besouro preto considerado praga típica de farináceos. Não por acaso, essa larva recebe o nome popular de larva-da-farinha. O ingrediente, rico em nutrientes, é bastante utilizado na alimentação animal, como em várias espécies de pássaros.
Segundo Regis, que tem como hobby cozinhar, a larva pura desidratada tem um gosto muito suave. O sabor final depende dos demais ingredientes. Para agregar sabor, os insetos são temperados como qualquer outro alimento. Gosto de usar cheiro verde ou couve, que é uma fonte de fibra, nos preparos desse tipo, conta.
Na hora de escolher o inseto para consumo, Regis alerta para os cuidados com os criadouros e com a higiene nos processos de preparo e cozimento. Esse ainda é um dos maiores desafios para a popularização dos pratos com insetos, achar um fornecedor consistente em relação ao fornecimento e à qualidade, pondera.
Em busca de regulamentação para criação de insetos
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não têm regulamentações para criação, venda e processamento dos insetos comestíveis para alimentação humana, só é permitido para alimentação de animais não ruminantes, o que atrapalha a disseminação do hábito.
Por que comer insetos?
Saúde: com alto poder nutritivo, os insetos são ricos em proteínas e gorduras boas, além de cálcio, ferro e zinco. São uma alternativa saudável aos alimentos tradicionais, como frango, carne e peixes.
Sustentabilidade: as criações de insetos emitem menos gases de efeito estufa (GEEs) que as de outros animais. Além disso, necessitam de quatro vezes menos insumos que as criações de gado. Por não ser uma atividade necessariamente terrestre, não se faz necessário o manejo do solo.
Fatores econômicos e sociais: a criação de insetos é uma opção que requer baixo investimento em capital e tecnologia, sendo uma alternativa viável em setores mais carentes da sociedade, oferecendo meios e oportunidades de subsistência para populações urbanas e rurais.
Publicação original: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2019/07/07/interna_revista_correio,768107/insetos-na-alimentacao-proteina-do-futuro.shtml
FONTE: Correio Braziliense / Silvana Sousa, Giovanna Fischborn e Sibele Negromonte