Proteína de insetos: Uma opção viável em alimentos para cães e gatos?

O esgotamento de recursos decorrente do crescimento populacional e modo de consumo tem se tornado uma preocupação crescente, sendo essencial a proposição de soluções inovadoras e multifacetadas que envolvam diversos setores: pesquisadores, autoridades governamentais, indústrias de alimentos feed e food aliados ao consumidor final para enfrentar este problema de escassez.

Em 2017, a Food and Agriculture Organization (FAO) publicou um compilado intitulado “O futuro da alimentação e agricultura: tendências e desafios”, citando como objetivo a diminuição do uso de terras para criações, redução da pressão sob demanda na agricultura, bio-conversões mais eficientes adicionadas à valorização de resíduos alimentares e aplicabilidade de economia circular com produtos sustentáveis são conceitos-chave para produção de insetos focada na alimentação animal, e mais recente na indústria pet food.

Os principais insetos que compõem a produção em larga escala seriam tenébrios, grilos, lagarta amarela, larva da mosca soldada negra (Hermetia illucens – BSF), entre outras larvas. A produção destes insetos comestíveis tem alta eficiência no uso da terra quando em comparação com fontes de proteína tradicionais, reduzindo em duas a dez vezes a necessidade de terras agrícolas para produzir 1 kg de proteína comestível de inseto, enquanto a emissão de gases de efeito estufa diminui em ordem de 10 a 100 vezes quando comparado a granjas comuns.

A produção de insetos gera muitos produtos, como compostos farmacêuticos com propriedades diversas, biocombustíveis, lubrificantes e fertilizantes por meio de seus excrementos, além de alta concentração de biomassa de insetos, com viabilidade de uso na alimentação animal.

Para validação da biomassa de insetos como fonte de proteína na alimentação de cães e gatos é essencial o delineamento de estudos de palatabilidade, digestibilidade in vitro e in vivo, escore fecal e escore de condição corporal, além de avaliações hematológicas e de bem-estar geral. Entretanto, grande parte destes dados é gerada para uso interno das empresas privadas que comercializam este insumo e não está disponível na literatura.

A composição química e qualidade nutricional das diferentes fontes de insetos apresentam grande variabilidade, assim como as fontes proteicas utilizadas, atualmente, na alimentação de cães e gatos. Por isso, o procedimento padrão para estabelecer a qualidade do insumo é a realização de análises para avaliação do valor nutricional. Por exemplo, BSF e os tenébrios contêm maior teor de valina e menores teores de metionina e lisina do que larvas da mosca doméstica. A alta biodisponibilidade dos aminoácidos deve ser garantida quando os insetos são processados em farinhas e incorporados nas formulações de acordo com a taxa de inclusão preconizada.

Estudos avaliaram a palatabilidade de dietas com diferentes inclusões de farinha e óleo de larva da mosca soldada negra para cães e gatos. Nos resultados, cães apresentaram adequada ingestão de dietas, variando entre 5 e 20% de inclusão da farinha e 2,5 a 5% de óleo da larva. Além disso, o escore fecal foi mantido dentro da normalidade e não houve mudanças significativas no peso corporal ou no consumo da dieta ao longo do tempo. Os gatos variaram mais na aceitação de alimentos com farinha ou óleo de BSF e parecem aceitar alimentos contendo até 5% de BSFL ou revestidos com até 2,5% de óleo de BSF.

Outro parâmetro importante a ser avaliado é a digestibilidade destas proteínas de insetos. Ensaios realizados in vitro simulando a digestão gástrica e intestinal de cães predisseram uma digestibilidade de 90% dos aminoácidos e observaram que a fermentação da quitina, composição do exoesqueleto de insetos, aumentou a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) no intestino3,9. Na avaliação in vivo, cães submetidos a dietas com inclusões crescentes de farinha de grilo (G. sigillatus) obtiveram ingestão similar e digestibilidade aparente entre 82% e 86%. Entretanto, houve uma associação entre o aumento da inclusão dessa farinha com a redução da digestibilidade devido ao aumento da quitina na formulação, por conta da ausência da enzima que realiza a quebra deste polissacarídeo em mamíferos6. Outros autores estimaram a digestibilidade aparente da proteína, gordura e matéria seca variando entre 88,9% e 96,5%, superiores aos valores obtidos in vitro 3,7,9.

Já a avaliação da digestibilidade aparente de aminoácidos em cães ingerindo dietas com insetos foi de moderada a alta, apresentando variação de 73,2 a 87,2%2,7.

Em gatos, a digestibilidade aparente dos nutrientes revelou alto aproveitamento da gordura (92% a 96%) e menor digestibilidade de proteína bruta e aminoácidos (73,4% a 77%). Com os resultados atuais pode-se considerar a formulação com uma margem de segurança a fim de evitar deficiências nutricionais, entretanto são necessários estudos com maior número amostral para real validação estatística.

Os efeitos a longo prazo ainda não são bem explorados e pesquisas que avaliam parâmetros hematológicos ou bem-estar geral são compostos por reduzido número amostral, portanto são necessários maiores delineamentos clínicos para concluir o real efeito da proteína de inseto na saúde de cães e gatos.

Discute-se também a aplicação da proteína de inseto como fonte não convencional para uso em reações adversas ao alimento por ser uma fonte proteica inédita nas formulações. Ainda não está claro como a proteína de inseto impacta no organismo do hospedeiro, por isso não há estudos prospectivos que guiem a possibilidade de uso em dietas de eliminação ou hipoalergênicas.

Atualmente, temos vivenciado de forma expressiva nos mercados dos EUA e Europa uma crescente no desenvolvimento de produtos com proteína de inseto como fonte única ou em formulação conjunta a outras fontes proteicas convencionais, utilizando o claim de sustentabilidade e menor deposição de resíduos alimentares na natureza. Embora ainda tenhamos um longo caminho a percorrer para validação dos insumos e seleção das espécies utilizadas para fabricação de pet food, é uma tendência que alia o olhar atento aos recursos naturais com otimizações de tecnologias aplicadas à indústria de alimentos, com benefícios a saúde humana e sempre visando a ótima nutrição de cães e gatos.  

FONTE:  Revista Cães e Gatos / Mayra Lopes, médica veterinária pela USP/São Paulo.
Luciana Domingues de Oliveira, médica veterinária, mestra e doutora na área de Nutrição de Cães e Gatos pela UNESP/ Jaboticabal.

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