Com a terceira maior população de animais de estimação do mundo (ABINPET, 2023), o Brasil enfrenta o desafio de suprir de maneira sustentável as necessidades nutricionais de cães e gatos.
Dado o aumento significativo no número de animais de estimação, pesquisas têm se voltado para a busca de fontes alternativas de proteína que sejam de alta qualidade e ecologicamente viáveis para a produção de alimentos completos.
Nesse contexto, o uso de diversas farinhas, como as de insetos, minhocas e penas hidrolisadas, emerge como alternativa promissora.
Essas matérias-primas oferecem benefícios nutricionais, além de poder contribuir para a redução do impacto ambiental associado à produção de alimentos para pets.
A seguir, exploraremos mais detalhadamente o papel dessas farinhas na alimentação de cães e gatos, considerando tanto seu valor nutricional quanto seu potencial sustentável.
Farinha de Insetos e Minhoca
As farinhas de insetos podem apresentar alta qualidade nutricional e podem substituir com sucesso ingredientes como o farelo de soja e farinhas animais, usados na produção de alimentos completos para cães e gatos.
Estudos direcionados para a nutrição de cães e gatos destacam o uso de espécies, como tenébrio comum (Tenebrio molitor), tenébrio gigante (Zophobas morio), grilo doméstico (Acheta domesticus), mosca-soldado negro (Hermetia illucens) e grilo da casa tropical (Gryllodes sigillatus), devido à boa digestibilidade do nitrogênio, alta concentração de aminoácidos limitantes e potenciais efeitos antioxidantes (Bosch et al., 2014; Mccusker et al., 2014; Leriche et al., 2017ab; Lisenko, 2017; Kierończyk et al., 2018; Lei et al., 2019; Kilburn et al., 2020).
Ainda, os insetos podem ser ótimas fontes de taurina, aminoácido essencial para gatos, sendo a sua concentração variável de acordo com cada espécie, como pode ser observado na tabela abaixo:
MS = matéria seca
Na Europa há o registro de pelo menos 12 alimentos secos para cães à base de insetos, sendo o primeiro lançado em 2015.
Todos os 12 alimentos são classificados como hipoalergênicos e oito deles trazem em seu rótulo o selo de sustentabilidade (Beyne, 2018), o que demonstra o avanço do uso de insetos na alimentação canina.
De forma geral, a inclusão de insetos na alimentação não afetou negativamente a saúde de cães e gatos em estudos com duração de 15 dias (Lisenko, 2017), 28 dias (Leriche et al., 2017ab), 29 dias (Kilburn et al., 2020) ou 42 dias (Kröger et al., 2017; Lei et al., 2019). Contudo, o impacto do consumo de insetos na saúde a longo prazo ainda é desconhecido.
Outro aspecto importante a ser considerado é que os insetos podem influenciar positivamente no aroma dos alimentos para cães.
Kierończyk et al. (2018) realizaram uma análise da atratividade olfativa de alimentos à base de T. molitor, Shelfordella lateralis (barata vermelha), H. illucens e Gryllodes sigillatu, comparados a um alimento seco comercial para cães.
Foi observado um efeito positivo de T. molitor e S. lateralis na melhora da atratividade. Os autores atribuíram a preferência às substâncias aromáticas presentes nos insetos, assim como ao valor nutricional, visto que T. molitor (58,8%) e S. lateralis (73,4%) apresentam maior concentração de proteína bruta comparados à H. illucens (40,4%) e Gryllodes sigillatu (56,4%) e à dieta comercial (28,6%).
Desta forma, alguns insetos podem melhorar a atratividade das dietas e representar uma alternativa aos aromatizantes e palatabilizantes comerciais para cães.
Assim como as farinhas de insetos, a farinha de minhoca também possui potencial de uso em dietas para cães e gatos. Atualmente, a demanda por produtos oriundos da agricultura orgânica está em crescimento.
Nesse sentido, a minhocultura surge como uma interessante forma de reciclagem de resíduos orgânicos, a fim de produzir vermicomposto para fornecer adubação orgânica.
As matrizes de minhocas produzidas podem ser aproveitadas na alimentação animal e humana, seja na forma “in natura”, ou para a fabricação de farinha de minhoca (Ferreira, 2022).
De acordo com Beveloni et al. (2019) a farinha de Eisenia fetida possui cerca de 70% de proteína, o que demonstra ser um potencial substituto para a farinha de carne e ossos (35% a 65% de proteína bruta) ou farelo de soja (44 a 48% de proteína bruta) na nutrição animal (Rostagno et al., 2017). Entretanto, o valor nutricional da farinha de minhoca precisa ser avaliado para cães e gatos.
Farinha de penas hidrolisadas por microrganismos
O Brasil é considerado um dos maiores exportadores de carne de frango, tendo produzido em 2022 o volume de 14,524 milhões de toneladas (ABPA, 2023).
As penas correspondem a 7% do peso corporal do animal vivo (Holanda, 2009) e são consideradas coprodutos do abate.
Por não serem comestíveis para os humanos e apresentarem potencial poluente se descartadas na natureza (Machado, 2018), sua transformação em farinhas para a nutrição animal é uma alternativa eficaz (Sinhorini, 2013).
Penas frescas possuem aproximadamente 1% de gordura, 9% de água, uma pequena quantidade de minerais e cerca de 90% de proteínas estruturais, como a queratina (Machado, 2018).
A queratina possui aminoácidos sulfurados, como a cisteína, cujas pontes dissulfeto conferem à proteína alta insolubilidade e baixa digestibilidade (Machado, 2018).
Para o aumento da digestibilidade dos aminoácidos das penas é necessário, portanto, realizar a hidrólise da queratina.
Os métodos convencionais de hidrólise incluem o processamento sob alta pressão e temperatura, permitindo a digestão parcial da queratina (Scapim et al., 2003). No entanto, o processo térmico gera somente 50% de disponibilidade de aminoácidos.
Em contrapartida, microrganismos queratinolíticos e suas enzimas podem ser empregados para o processamento hidrolítico das penas (Said & Pietro, 2004), aumentando seu valor nutricional (Grazziotin et.al. 2006).
Segundo estudo de Pacheco et al. (2016), a farinha de penas hidrolisada possui proteínas de baixo peso molecular. Aproximadamente 95% das moléculas são menores que 10.000 dalton e 50% menores que 500 dalton, conferindo baixa capacidade de induzir reações alérgicas em cães e gatos (Sampson, 1993), o que a torna uma alternativa para dietas hipoalergênicas.
Considerações finais
Os estudos sobre o uso de farinhas de insetos na nutrição de cães e gatos são relativamente recentes, mas os resultados apresentados até o momento indicam potencial da sua inclusão em dietas comerciais.
Essas farinhas são ricas em proteínas e gorduras (se não forem desengorduradas), são palatáveis e possuem potenciais efeitos benéficos ao organismo.
Outra alternativa é a farinha de minhoca, que também é rica em proteínas e ácidos graxos essenciais, mas ainda precisa de estudos em cães e gatos.
Além disso, considerando que o Brasil é um grande produtor de frangos, as farinhas de penas podem se tornar uma alternativa sustentável na formulação de dietas, desde que seu valor nutricional realmente seja melhorado pelo processo de hidrólise. Inclusive, pode ser uma fonte proteica para dietas hipoalergênicas.
Em resumo, essas farinhas oferecem potenciais benefícios à nutrição dos animais de estimação, mas é fundamental que mais estudos sejam realizados, principalmente para avaliar os efeitos desses ingredientes na saúde de cães e gatos a longo prazo.
Autoras:
– Ananda Portella Félix – Zootecnista, Professora do Departamento de Zootecnia, Universidade Federal do Paraná
– Eduarda Lorena Fernandes – Zootecnista, Mestranda pela Universidade Federal do Paraná
– Estephany Taiane da Silva – Zootecnista pela Universidade Federal do Paraná
– Heloísa Lara Silva – Zootecnista, Mestranda na Universidade Federal do Paraná
– Laiane da Silva Lima – Zootecnista, Mestranda pela Universidade Federal do Paraná
– Lorenna Nicole Araújo Santos – Zootecnista, Mestranda em ciências veterinárias pela Universidade Federal do Paraná
– Renata Bacila Morais dos Santos de Souza – Médica Veterinária, Mestranda pela Universidade Federal do Paraná
Publicação completa:
Uso de ingredientes alternativos na nutrição de cães e gatos – NutriNews